quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Devaneio

Não, não seguirei tuas ruas habitadas. Nada sei de todos. O meu desejo é mandiga para te virar do avesso. Por isso quero as linhas ocultas de teu corpo, as intocadas, as que, como orquestras, vibram em concerto, quando os dedos, ou a língua, recitam teu dialeto, na pressão exata.

Não me rendo as promessas de ocasião, ou folhetim, que sabes dizer. Não admito nosso santo nome dito em vão. Não ouço e não digo o que rola por aí. Mas quero seu ouvido para saciar as sílabas que trago na minha espera e exílio para compor - gelo deslizando sobre o nervo exposto-, os dizeres que não disse, as palavras de amor e as devassas, as que se ocultam no teu imaginário de fêmea, para que seja amada e puta, aprendiz e dona do pedaço, feitora e escrava, nas tardes de abandono.

Não me interessa tuas andanças. Serei nomade deste início. Cruzarei teus meridianos, invadirei como barbáro as portas do relicário, por meu território. Onde te inauguro, me nomeio. Migro, e te sei de milagres, no que dilato e amplio quando me ofereço para tua doma, como se fosse eu tua mulherzinha.

Que dançe, sem fios que te conduzam para fora do labirinto. De mãos dadas faremos um pacto de sal e vinho, e nos atiraremos. E teu prazer em voar será minha única tábua de salvação...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ilusões

Mulher - Riolan Coutinho

Não é o que tenho que me pertence.
Nem os seios que margeio
Ou o que tem endereço
e boca vândala de promessas.
Nem o que tenho guardado
-teu ouro do melhor-
ou o que me é dado
no altar dos sacrifícios.

Não é o que tenho que me pertence,
pois meu verdadeiro é só o que me iludo ter.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Quando ela diz te amo

A Maja Desnuda - Goya


A vida sempre tem motivos para seu começo. Mas, como é breve e não há provas de sua reedição, convém evitar desperdícios. O que seria fácil se soubéssemos exatamente onde fica o marco zero. O cais do gênesis. Os ensaios de amor, a cantada original ou pelo menos a previsão de quando irá chover nas amendoeiras com a mulher certa.

Sim, com a mulher de sua vida. Deixemos de fingimentos, ou de nos orgulhamos de quantos brinquedos de adultos podemos comprar, pois nada disso nos fará invencível, capaz de matar dragões, dançar a valsa vienense, ouvir milhares de vezes a mesma canção no CD do carro, comer tomate com orégano ou estourar a conta de telefone só para ouvir uma madrugada ela dizer que está pensando em você mais do que a lei e as normas de boa conduta recomendam. Ela é o que interessa. O resto, seja versos no jornal, a presidência da empresa, ou o carro do século, são só disfarces, nossa dança de acasalamento, baile nupcial, nosso rugido mais alto para chamar sua atenção, visto que, ficar nu, além de ser atentado ao pudor, pode causar decepções abdominais no mercado especulativo e sarado das conquistas.

Assim como o César, não eu que mal vivo de não embaraçar minha perna na outra quando danço, que corro risco de me afogar até em pote de mágoa, e nem lembro a placa do carro e morro de vergonha no estacionamento, mas do outro, romano, que foi, viu e venceu, aprendemos que, o vir, ver e vencer, é conquistar de forma irreversível e sem insurreição, o amor de uma mulher. É tornar-se a razão do seu choro quando viajar e, de outro, ainda maior, ao retornar, são e salvo, de um dia longe. Ou ela ser tomada por uma semana de tristeza incurável só por imaginar que poderíamos morrer antes dela, com este jeito devoto que só as mulheres sabem ter e que funciona como nosso programa de milhagem existencial, uma apólice que nenhuma outra emoção pode cobrir. E quanto nos fragilizamos como meninos e nos fortalecemos feito heróis quando ela murmura que a deixamos louca e que somos sim, muito, muito bons, como se tivéssemos sido aceitos como Cavaleiros da Távola Redonda. Ah, nós homens, pobres homens.

Mas, para a plenitude, ela exige sabedoria e doação, por isso é necessário que não venha tão cedo que ainda não saibamos as renúncias da cumplicidade nem tão tarde que os desenganos já tenham deletado nossas utopias. Porque se a perdemos é como um gineceu cinzento que nunca se desfaz em primavera. Perdê-la é não poder imaginar o sol abrindo a janela e acordando nossos olhos em comuns, a pertencência, a casa com os quadros e fotos na parede e as histórias no tapete, a mesa do jantar como a velha fogueira aonde se reuniam os antepassados, o parto e os filhos alinhavando a memória e os objetivos comuns, os abraços como os anéis de Saturno, o amor com perdão, o riso como a senha para devorar a esfinge do cotidiano.


Porque há um alumbramento em toda terra, um desvio inexplicado de seu eixo, um destino que se remodela na oficina das divindades, ou diante dos peixes, o fio que as deusas que tecem a vida se retardam em cortar, um dialeto que se funda para o casal, uma aliança, um anel de esperanças e fogo, tatuando a posse. Porque há uma repentina onda de fertilidade e todos os úteros se tornam qualquer coisa de grávidos e o tempo de esperar se faz tua colheita. Porque há algo que, de repente, nos fecunda e cura nosso país quando ela diz te amo. Só quando ela diz te amo...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A mulher

Midsummer Eve - Robert Hughes
Toda mulher é uma língua. Própria. Um dialeto individual, composto de códigos e símbolos a ser percorrido, para ser perfeitamente vivido, em lentidão torturante. Ela é toda tecida de audição. Pois a mulher não ama o que vê, e sim o que ouve. Não ama o que está ao relento, exposto, mas o que se revela na bateia, na lavoura de decifrar o que lhes dizemos. É nossa homilia e discurso que a possui e domina, que a cerca e doma, e nos inscreve, sem alforria, na memória. A fala é nosso aboio, de guia e prazeres. É do nosso dicionário de significados que será demarcado o tempo de nossa permanência e trato.


Toda mulher é composta de missais e tato. Porque sua pele é um pergaminho a espera dos rumores de nossos lábios e mãos, e se tatua de nossos desejos como se fossem todas as ambições dela, como quem mimetiza suas faltas pelos beirais do outro, e oferece suas sesmarias para ocupação e moradia. E, de nossa dedicação em lhe desvendar as veredas inaugurais, de roçar com a voz os delitos do seu imaginário feminino, é que se erguerão os altares de nosso ofertório, se inscreverão as escrituras de longevidade, os indultos de nossas falhas, os liames que impedem os degredos.

Toda mulher é o linguajar, a vindima, de uma pátria. Eu? Sou só exílio.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Amores Eletrônicos


Antigamente as gerações duravam uma década. Atualmente, dizem que dura seis anos, mas eu acho que dura só o tempo de sair uma nova versão eletrônica para a comunicação - e se comunico logo seduzo - entre homens e mulheres. A coisa começou com o tacape – método eficiente e que evitava gastos com jantares e showzinhos de pagode antes do escurinho da caverna -, passou por sinais de fumaça, pombo-correio, alcoviteiras e saraus até chegarmos às românticas e perfumadas cartas de amor.

Um grande salto foi a invenção do telefone que permitia falar as barbáries imaginadas, como o desejo de alisar o tornozelo da amada, enquanto se manipulava freneticamente a manivela. O telefone evoluiu, mas as gerações continuavam iguais. Até que, duas revoluções, e não foi a pílula, vieram modificar de forma substancial a vida sexual, causando um impacto maior do que as empregadas domésticas tiveram na nossa história, exceto, talvez, não estou bem lembrado, a minha em particular. Falo do torpedo do celular e chats de conversa nos computadores.

Os antigos devem se lembrar que assim que o e-mail foi criado Adão chamou Eva para teclarem do fruto proibido e trocar mensagens, o que resultou em muitas maçãs devoradas, porque mulher nenhuma se contenta em receber comida só uma vez. Mas ainda persistia algo do imaginário daquelas cartas escritas em nanquim, embora digitados e enviadas por modens lentíssimos.

A evolução começou com o mIrc e os e-groups para conversas coletivas e alguns hot-hot-hot papos privados, creio que alguns usuários trogloditas ainda se recordam. A partir daí, a coisa e as gerações se aceleraram, e, quando você toma pé em uma ferramenta tecnológica, tudo já mudou, fazendo com que estejamos não só duas doses abaixo do normal, mas duas gerações atrasadas. O torpedo do celular virou uma espécie de tacape sem os inconvenientes dos hematomas, e serve para abordar, marcar, dispensar, dar as desculpas perfeitas e ocultar aqueles gemidos que o telefone poderia expor, sendo hoje tão indispensável à vida sexual quanto a camisinha e o Viagra – desde que honesto como um legitimo escocês.

No computador, as possibilidades se multiplicaram e a webcam permitiu uma intimidade e exposição de profundidades anatômicas e performances jamais imaginadas. Ela se tornou quase um disque-delivery, pois quem tem uma só termina a noite no zero a zero se faltar luz ou cair o sistema, o que equivale à broxada de antigamente.

Já o MSN permitiu a sedução múltipla, como nunca antes neste país, pois há mulheres que mantém o jogo com uma centena ou mais de admiradores na sua janela, ao bel prazer de sua escolha, ou acesso, provando que, sim, vários corpos podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Além disso, surgiu o Orkut, com fotos, recados, perfis, flagrantes, egos e oportunidades de exibir o próprio corpo ou desejos a uma infinitude de olhares, facilitando a triagem entre a rede e a cama.

O terrível é quê, embora a humanidade pudesse ser dividida entre os com e os sem Orkut, muitos já estavam se integrando, quando explodiu o Twitter, Facebook, Flick e similares, fazendo com que ficassem tão defasados quanto uma carta de papel dizendo que o amor por um jardim avesso deve ser cumprido como destino e sina por um jardineiro fiel.

O “tuiter”- esclareço para os não colonizados- é multifuncional, instantâneo e curto, embora não seja grosso. O máximo que se pode digitar são 140 caracteres, o que traz a vantagem de limitar as asneiras. Alguns dizem até que usar o tuiter é como fazer sexo, não lembro bem, pois quanto mais apertado o espaço maior o prazer.

Enfim, a verdade, é que a velocidade de mudança na comunicação tem mudado profundamente as relações humanas, comerciais, afetivas e até sexuais. Os abatedouros machistas, a garconniere, foram substituídos por cômodos virtuais e as cantadas passaram a combinar o máximo de eficiência com mínimo de caracteres.

Não sei como será o amanhã. Mas durmo sempre assustado com medo de acordar, não impotente, mas obsoleto. O que dá no mesmo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A falta que a mulher faz

Monica e Magali de Rosa e Azul de Renoir
Por acaso sua mulher viaja para congressos, cursos, ou você, como um terço dos homens, já é separado? Então sabe do que vou falar. Você já se viu na prateleira do supermercado, frente a uma dúzia de frascos coloridos tentando diferenciar desinfetante, detergente e alvejante? Especialmente se sua mãe lavava tudo com sabão em barra? E da marca Campeiro, o melhor? Ou diante do dilema socrático de adivinhar como ficará o cheiro de sua casa se preferir o eucalipto a floral? Ou qual deles estraga menos a pele da mão, conforme recomendou sua diarista?


Você sabe qual marca de sabão em pó tem o aditivo mais aditivo, que lava mais branco, conferindo à roupa de seus filhos um brilho de fazer inveja a qualquer outra mãe? Pois tenha certeza que é mais fácil tentar decifrar o enigma da Esfinge do que resolver essas charadas. Ou então fazer como eu que sou salvo pelas orientações de Ana Luísa, minha filha de sete anos: “pega o do ursinho pai!”Aliás, ela gosta tanto de falar que não pude deixar de rir quando, ao fazermos feira, ontem, ela me disse que sua palavra predileta é etecetera. Só podia.


Mas, a menos que você tenha sido escoteiro ou aprendido durante seus anos como marinheiro, a dar nós, está ciente das dificuldades de fazer um coque no cabelo comprido de sua filha, para que ela vá à aula de ballet? Você conhece exatamente a diferença entre scarpin e uma alegoria para a festa do bumba-meu-boi? Ou por que ela prefere tiara a pompom (seja lá o que isso for) e outros enfeites mais, se antes era tudo maria-chiquinha? E que piranha não é exatamente aquilo que você estava acostumado, mas algo para prender o cabelo?


Você já passou a vergonha de chegar em casa com dez frascos de amaciante de roupa, que comprou na promoção, achando que fez um grande negócio, e a cozinheira te olhou com ar de desdém duvidando seriamente de sua capacidade mental, ao lhe explicar, tão calmamente quanto possível, que ela era cozinheira, logo, o amaciante, era para carne? Ora, diabos, como ninguém lhe explicou que havia um produto especifico só para amaciar carne se no seu reino de homem todo mundo só fala das carnes durinhas?


Tal como um general diante das opções de uma batalha você já teve que escolher se o que sobrou do almoço deve ser guardado no forno, freezer, geladeira, antes ou depois de esfriar, ou se é melhor jogar tudo fora e dizer que uns amigos apareceram de repente e comeram tudo, sem arriscar outra sessão de avaliação do seu QI? E por que raios tem tanta opção na máquina de lavar e não só dois indicadores: lavando e lavado?


Viver, como dizia Guimarães Rosa, é muito perigoso. O lar é um terreno movediço, onde a cada passo afundamos em um emaranhado de novos significados e, no qual, se fala um estranho dialeto de usos e costumes, só acessível aos iniciados. Sei que existem inúmeras outras coisas que fazem das mulheres nossa certidão irreversível, e sei que, uma ou outra feminista, com menos senso de humor, pode julgar que as estou diminuindo, mas a verdade é que basta tentarmos sobreviver sozinhos, em casa, para que percebamos a falta que a mulher faz...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pequeno acalanto para a memória

Olympia - Rene Magritte

Dizem que a paixão de uma mulher pode passar, a sua memória nunca. Tê-la, é ocupá-la, inscrever detalhes na sua alma e pele, sem renúncias. Findo o tempo de acontecer, esgotado ou não as possibilidades, a calmaria virá, o beijo que se pediu para não beijar em mais ninguém e as danças se diluirão, mas o possuído não se desocupará.

Então, impagável que é, uma hora qualquer, ainda que por um segundo, ela lembrará. Atiçada por encontro casual, um aceno, uma vista da noite entre a lagoa e o mar, uma música, um Outubro qualquer. E ouvirá o que ele diria: " eu digo que é de tua permanência e entrega, de tua fala ancestral e capacidade de refazer mistérios e reatar o rumo das rotas perdidas no mar, de tua alma semeada de lírios e alegorias que me teço homem.

É dos teus horizontes, aonde, manso e indefeso, o sol, em arreio, vem se pôr, que se faz o alcance de meus olhos. E, se, nos dias de chuva e distância o mundo inteiro se encharca de tua falta, na tua vinda minhas alegrias de menino se enfeitam de alecrins e esperanças, das taças em comum, e minhas ruas de pedra e, às vezes, escuras, se enchem de velas, de lampiões e candeeiros, pra tornar segura a tua passagem.

De tua voz na profana confidência dos sentidos, promessas de não abrir mão e ser irremovível, de tua oferenda de cuidados e tatuagem de paixão no meu destino, ergo meu abrigo de sonhos e futuros, como os antigos que faziam suas casas com o que parecia insustentável, de óleo de baleia, ostra moída e barro e que, no entanto, resistiam ao açoite dos tempos ruins.

Assim, te proponho o amor dos que vivem distraídos, e oscilam entre a inocência da menina e a loucura dos instintos, dos que ousam domar os limites e não temem o fogo das condenações, dos que não se negam e cedem a primeira vez ao insensato e navegam os ventos revoltos como uma oferenda dos deuses à suas velas escancaradas.

Enquanto o desejo dilacera nossas roupas ao dançarmos te proponho a parceria dos que têm sede, dos que entrelaçam os dedos e as fomes e rezam suas rezas mundanas na comunhão das línguas, na margem delicada e enlouquecedora dos lábios entreabertos, dos que se perpetuam em cio e gozo irrepetível, e deixam escorrer em choro e sêmen sua conjuração de amores.

Na leve embriaguez do vinho anúncio em teu ouvido e dorso meus pedidos e teu corpo faz confissões despudoradas. As bocas tecem a indecente confidência: te amo, sem as regras do ofício, como se o manto dos cardeais os protegesse dos medos e temores.

Assim que, teu homem realizado, antiga vontade adiada, de beleza e encanto, de rédeas inesperados, te envio cartas enquanto te fazes esquiva e rede de pescador, para que te tome derradeira e sacerdotisa, sem que nada mais, além dos céus, te esconda, sempiterna e nua."

Como uma eclipse dura um momento, mas ela sabe que entre o encontro e o resto de sua vida esta doação habitará a memória da ausência, que não finda de passar e nunca cede - aceiro e agonia-, a outra ocupação.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O VÈU DE SANTANA




Amo quando a cidade desperta vestida de neblina, como uma peça fina e delicada a cobrir seus pudores, a amenizar a dureza de seus contornos e de seu cotidiano, como se, de repente, fosse de céu, apenas, o horizonte de nosso olhar.

Amo quando estes fiapos de vento do mar, vindo das bandas da Bahia, resfriado na evaporação das águas, nos domínios de Yemanjá, se fazem feirenses, desmanchando-se feito amante no cio nos braços matinais e domadores do calor sertanejo, que limita seu viajar e o transforma em vapor esbranquiçado e cerração urbana.

Amo quando esta neblina silenciosa e cedeira vem e invade nossos corpos sob as cobertas, feito companheira e amada, cúmplice de sono e sonhos, neste passar sem destino que é o dormir. E quando empurra a manhã para depois, como se o dia pudesse custar a começar, a vida não fosse o desencanto de ser, e tudo se fizesse nesta preguiça de coisa alguma, neste tardar de não ir.

Amo quando esta festa de névoa e bruma faz parecer que abrir os olhos é inventar um sertão de fantasia, algodão-doce de menino, brincadeira de circo, feitiço de esconde-esconde, das ruas descalças, das cores mal pintadas, dos homens maus, das exigências e ordenações, das obrigações inevitáveis.

É como se fosse possível dançar nu, de nobrezas, títulos e vergonhas, por entre as árvores, até o orvalho mais derradeiro de suas folhas, de suas flores de enfeitar ilusões e flutuar nesta esteira de ar, como quem adormece sobre a pureza e a ternura depois de uma longa noite de amor.

Amo a cidade disfarçada sob a cor única de seu véu, a Feira, que lava suas dores neste anonimato urbano, como um abraço sem distinção de credos e ruas, todas iguais, como uma redenção do imaginário, sem rudezas, como se tropeiros tangessem, ainda, seus burros com barris e caçuás, suas boiadas, na poeira, e apenas o aboio pudesse nos guiar enquanto o álibi deste vento protetor e liquefeito cerca as lonjuras para quem acorda.

Amo a cidade rodeada de neblina, como se estivesse num cesto ao avesso e o céu fosse chão, e os bocapius pudessem ser abarrotados de esperanças nestas manhãs que se fazem num tecer de artesão, e não no correr de cavalos encantados, mas na lentidão maturada e musical de um carro de boi.

E, quando o sol se assume de responsabilidades e lentamente começa a desnudar minha aldeia de sua capa de inocência e serenidade para devolvê-la à agitação cotidiana e urgente, me desfaço. Mas, enquanto for este inverno, viverei de me reinaugurar, ainda que por breve ser, sob o véu de Santana.

RETORNO

Com a mudança da Tribuna Feirense para semanal e a criação de um portal na internet voltaremos a manter um espaço de crônicas e poesias na edição semanal. Assim terei dois espaços. Um no http://www.tribunafeirense.com.br/ onde estarão postadas as notas da Bodega do leegoza e este Empório, com textos de outro contéudo.

Abraços a todos, comentem, aproveitem para ler os textos antigos e obrigado.
César