domingo, 24 de junho de 2007

O Clériston e o óleo de licuri



Vamos colocar os pontos nos devidos lugares. O caos no HGCA é fruto da herança maldita do governo Paulo Souto, que deixou a saúde ao Deus dará, tratada como nada, sem que deputados e vereadores governistas reclamassem uma vírgula. Tampouco o Ministério Público, que só veio atuar tarde demais, nada tendo feito durante aquele período, recomendando afastamento do diretor, um tanto quanto apressadamente.

Considerando que estamos na segunda cidade do estado a limitação tecnológica do HGCA é de estarrecer. O hospital não é informatizado, não tem serviço de Ecocardiograma, nem de anatomia patológica, o laboratório apresenta limitações absurdas e sem um programa certificador de qualidade, a endoscopia funciona de forma limitada, os exames radiológicos de contraste praticamente não existem, a tomografia passou meses e meses sem revelador na administração passada, diversos procedimentos cirúrgicos não podem ser realizados na unidade referencial da cidade, a hotelaria é desconfortável. Há inadequação de funcionários nas enfermarias e rotinas não são executadas com a precisão médica solicitada.

Ocorrem, entretanto, inúmeras injustiças com o Hospital. Lá funciona, há doze anos, programas de Residência Médica, ilhas diferenciadas e qualificadas de atendimento. E há também as milhares e milhares de vida que já foram salvas na rotina diária da cidade-HGCA. Claro que toda análise ocorre sobre as falhas, os erros, as inadequações, pois o certo deve ser a rotina, mas cabe reconhecer os pontos positivos.

Certamente que é preciso um programa geral de qualificação profissional e treinamento permanente de seus profissionais, nos diversos níveis, o que é extremamente difícil já que grande parte dos que estão lotados lá provém de acomodações políticas, são passageiros e não tem uma política de incentivo salarial para aperfeiçoamento.

Há, é nítido, uma campanha para desgastar e fritar em óleo de licuri e ambição o diretor Vagner Bonfim, que mostra interesse em organizar o hospital, transformá-lo em espaço acadêmico, qualificá-lo. A direção do HGCA é espaço cobiçado e os líderes governistas o estão deixando ficar bem tostado enquanto fervem nomes nos bastidores cogitando a sua substituição. O argumento é que Vagner é da cota pessoal de Solla, como se todos não fizessem parte do mesmo governo e o interesse maior não fosse a saúde da população feirense.

A verdade, entretanto, é que a herança maldita não justifica a lentidão operacional do governo Wagner. Solla tem entregue a Vagner apenas promessas e nada de concreto, fazendo com que o diretor recorra a expedientes inadequados para solução de problemas urgentes. Vagner está aprendendo na marra, que certos cargos precisam prestar contas a diretoria e não agir de forma autônoma, assim como não deve tentar tapar o sol com a peneira para salvar o governo. Um pacote de computadores e medicamentos é como uma cortiça tentando tapar o rombo de uma represa.

O secretário, saindo da sua majestática posição, precisava chegar no hospital e anunciar uma agenda positiva. Ampliar uma enfermaria nova no Pronto Socorro, comprar o aparelho de Ecocardiograma, implantar o serviço de Infecto, ou de neuro-cirurgia, por exemplo, e construir em regime de urgência máxima salas decentes para atendimento no Pronto Socorro e não permitir aquelas imoralidades existentes.

Estes são apenas exemplos de ações positivas que iriam minorar a crise, enquanto era executada a propalada reforma, um projeto de longo curso e do qual tenho sérias, sérias dúvidas, se a prioridade deveria ser o Hospital da Criança, quando a necessidade é do Hospital Geral.

A verdade, entretanto, é que pressa não parece ser a plataforma do governo. Por enquanto o secretário encontra-se ocupado em levar ao forno gratinar, dourar, assar, ao ponto e além, um dos seus amigos. Salivando, os beneficiários, aguardam...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Urbano

Sou todo fingimento.
Cumprimento a quem desprezo,
aperto a mão de quem detesto
e sorrio para os falsos
igualmente.

Almoço cinicamente com
honestos da pior espécie e
aceno amistosamente aos
que maquinam minha derrota.

Ouço em silêncio respeitoso,
os falsos profetas
e os eternos salvadores da pátria.
Conheço os traidores
de todas as causas
e os que caluniam como ofício.

Compartilho realizações
com aventureiros de última hora.
Bebo, socialmente,
com os desonestos
mais empreendedores.


a mão, dissimulada, me urbaniza
a mão, estendida, me envenena.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

A República dos lambaris

Desde que Cabral aportou por aqui, num descobrimento que dizem tão falsificado quanto as prestações de conta do Presidente do Senado- vitima de ter relaxado e gozado com uma jornalista que, dizem as más línguas, apresenta vasto currículo no assunto-, que o Brasil se comporta como uma nação embananada.

Nossos imperadores, tal como hoje, estavam mais interessados nas estripulias de alcova do que na administração central. Mudamos de regime sem mudar de apetite e nos tornamos mundialmente conhecidos pelas passistas, mulatas, e outras especialistas no ziriguidum intímo, nos tornando uma nação famosa pelo turismo sexual, combatido na superfície e tolerado na realidade.

Nesta promiscuidade administrativa lobistas emprestam apartamentos a senadores , casas de encontros proliferam na capital federal e empreiteiros dedicam-se a fazer coisas de arrepiar com os fundos e as verbas públicas, levando a completa desmoralização do Executivo, Judiciário onde se vende sentenças como eram vendidas na antiguidade as indulgências, e do Legislativo, espaço desmedido de golpes, falsidades, prevaricação, safadezas, privilégios insaciados que nem as damas mais vorazes dos cabarés são capazes de competir.

Enquanto a moral dos nossos homens públicos se esfacela com meia dúzia de escutas e todos os amigos, compadres, seguranças, churrasqueiros, filho, irmão, ministros do presidente são apontados em falcatruas de fazer inveja ao Código Penal, o nosso líder segue com suas declarações de bodega, seu beija-mão em corruptos históricos.

Por último, em meio a devassidão administrativa em que se encontra as instituições públicas o presidente vem reclamar que a mídia não fala bem do país, sugerindo que nos tornemos um bando de zumbis ou Polyanas, enquanto somos saqueados tributalmente e vemos a saúde, a educação, a segurança, habitação, e estradas, relegadas ao lero-lero de sempre, aos supositórios de propaganda. Talvez por isso, porque a fantasia tropical estabelecida por nossa beleza física natural, nossas mulheres esplendorosas, nossa vocação para a festa e o supérfluo, não corresponde a realidade criminosa, cruel, estagnada, o governo se dedica agora a desperdiçar milhões numa TV pública que renda loas ao ego do senhor chefe.

Tal qual a nação miserável que se contentava com as quinquilharias do bando de Cabral os excluídos de hoje levam seu espelhinho na forma de bolsa família e como os índios forneciam a riqueza dos portugueses em pau-brasil, agora eles entregam em votos nas urnas e aceitação nas pesquisas, garantindo uma impunidade administrativa que este governo e usa base aliada, ou negociada, como preferirem, não merece.

Enquanto, anestesiados, desiludidos, ou em mutação darwinista ao avesso, regredimos a uma conformação bovina, sua santidade e seus inoperantes ministros esbaldam-se em não ter senso de medida.

Não bastasse o pasmo diante de um governador que declara não se lembrar do que fazia numa lancha pois tinha tomado umas cervejas e que, esquecendo o passado sindical, bate forte no professorado que o elegeu, temos um presidente que sugere, diante das câmeras do mundo, trancar a Secretaria de Segurança americana com nossos ministros para que eles encontrem o ponto G, e uma ministra do Turismo que diz que o turista que sofre horrores no caos de nossos aeroportos deve relaxar e gozar. Como podemos acabar com o turismo sexual se a linguagem libidinosa parece ser a tonica de nossos dirigentes?

Mas, enquanto vivemos a montanha-russa dos escândalos de corrupção eis que vem o presidente da República em defesa do irmão lobista de “dois paus” e diz que o mesmo é um lambari no meio de pintados. Precisamos urgente, companheiros, estabelecer uma política afirmativa que preserve o direito dos lambaris de serem pintados, um dia. Séculos e séculos desta política opressiva e favorecimento a elite dos pintados tem que ser revista. Precisamos estabelecer cotas nas verbas ministeriais, nos acordos secretos, nas compras de voto, em favor dos inocentes lambaris.

Eu, particularmente, sugiro o Ministério da Valorização e Igualdade dos lambaris e uma verba para a organização de uma Parada dos Lambaris Oprimidos na Avenida Paulista. Até porque, o Mangabeira vem aí. E precisa de uma pasta...

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Encilhamento


Pequena Cantiga a Mulher- Di Cavalcanti

Sempre estiveste perdida
de mim para mim mesmo.


Se um dia viestes,
com ares de quem fica,
foi apenas para marcar
o irremediável início
de teus passos de ida.


Nunca estiveste onde ficaste,
e, inteira,
fostes apenas na saída.


Nunca te possuí, pois
partida, quando viestes,
era apenas
a que já se tinha ido.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Sina

A linha do abismo
se apaga
entre a escolha e o destino,
enquanto um antigo vento
resvala nas ruínas dos dias.

Do amor, resta apenas
esta memória de ontem,
que nunca termina de passar.

sábado, 9 de junho de 2007

O inverno que nos alcança


Nem foi chegando devagar como visita receosa, na porta. Não, foi logo mostrando a que veio, botando banca, delimitando território como bicho recém chegado, trazendo perigo com uma trovoada destas que só ronca por aqui, para mostrar as fragilidades da cidade, despreparada e descuidosa de sua beleza.
A chuva repentina e sem sovinices surpreendeu as pessoas anunciando que o outono está caminhando para seu finalzinho de domínio, as folhas começam suas despedidas, feito notícia de gente que vai se ausentar.

Depois do aviso começamos a sentir que aquele vento de fogo, seco, ácido, duro, soprado feito açoite das redondezas da caatinga, trançado na poeira, cheiro de bosta de boi e velame, vai esmaecendo, trocado por outro mais ameno, úmido, com mais pétalas de água no seu embornal.

Ele vai chegando devagar, mudando as cores dos jardins, como se tivesse vindo de muito longe, das lonjuras que só os ventos e as dores podem vir, e fosse um bando anunciador do inverno. Nas ruas do centro as mulheres já exibem casacos que cheiravam a guardado de tanto esperar e os vendedores ambulantes já oferecem guarda-chuva, nas sinaleiras. O mingau de milho, ali na praça da Alimentação, torna-se quase uma obrigação na madrugada.

As lojas de roupa, me diz Dona Tércia, da Vest, já começam a anunciar as liquidações de sua moda de verão. A noite vai esfriando, pedindo coberta e paz entre os casais pois todo mundo sabe que não se deve brigar nos tempos de frio e por aqui o povo é mais sabido do que tudo, de todo povo desta boca de sertão, a gente que fica aqui entre o recôncavo e o semi-árido, com umas lapadas de vento marítimo, que viaja das praias da Bahia e se dissolve nos outros ventos, que todo mundo sente ainda que não se aperceba.

Há o espetáculo de olhar pela janela, manhã cedo, e ainda ver a neblina que levanta devagar, com preguiça de acordar e tristeza de separar-se da cidade, cortada em fatias pelos que correm nas avenidas e madrugadores do trabalho, e pelo alto dos edifícios, que Feira já vai por bem de ter uns trinta e cinco deles, fazendo recortes no horizonte, como se fossem as montanhas que não temos.
E os corações abalados pelas aventuras do verão vão se entregando feito quixotes que desistiram dos moinhos de vento e buscando o aconchego dos amores de inverno, mais delicados e permanentes.

Nas casas, os chás e o chocolate quente voltam a mesa, o café na livraria Atlântica, de Romeu, e nas tapiocarias é um prazer quase irresistível. O foundee, um estrangeirismo de gosto adotado por muitos feirenses e o vinho, prometem ser a moda da estação.

Prova que estamos mesmo prestando mais atenção à mudança do tempo é que, ousadamente, o restaurante Tomatte Secco, anuncia um festival de inverno, com temporada de jazz e MPB, dando um refresco nos ouvidos exauridos de axés, pagodes e similares. E, vez por outra, eu mesmo tenho surpreendido a lua, exposta e nua, em plena tarde, perdida de amor pela vida nos antigos becos, ou quem sabe procurando uma pamonha de Noratinho, os vaqueiros e fidalgos do Campo do Gado, a Santana dos Olhos D’Água.
O inverno já galanteia a elegância das mulheres, o verde do chão, as plantações das roças e a fartura do São João e embora ele só assuma oficialmente lá por vinte e um de junho, eu sei e sinto que ele já é um tempo que me alcança

terça-feira, 5 de junho de 2007

Inventário


Das minhas dores mais longas,
desbagoarei os gomos,
pra atender à fome dos cães.

Meu olhar sem escamas,
e a senha de teu corpo,
pode levar ou esquecer:
não me cabe guardar inocências.

As fraquezas, inclusive
meu choro de homem
e aquela noite, era outubro,
serão minhas, no inventário.
As demais miúdezas: lençóis,
projetos inacabados, risos,
guardemos, nos inutéis da memória.

Do que sou, ao fim,
serei sempre, exílio.



Modigliani - Homem com copo de vinho

segunda-feira, 4 de junho de 2007

A influência do arroto na vida sexual



A proximidade de homem e mulher costuma ser fatal. Vítima da fome ancestral e da necessidade de preservar a espécie basta rolar uma convivência ambiental que os vestidos se incendeiam e o destino biológico se cumpre, goste o papa ou não. Aliás, como diz uma amiga, se o papa for contra é até mais excitante. O certo é que não existe regra do lado debaixo do equador e para ser sincero em nenhuma outra localização geográfica.

Embora o ato não seja dos mais belos visualmente ele é compensado pelo resultado antes, durante e depois e uma trilha sonora que, apesar de repetida exaustivamente, tem um componente tribal capaz de mover ao êxtase até os menos entusiasmados.
Esta atividade fornicativa, por assim dizer, além dos benefícios às indústrias, redes hoteleiras e comércio do banco reclinável, traz consigo toda uma operação ritualista e fetichista que incluem calcinhas pretas, dançar colado coração com coração se podemos dizer assim, promessas de nunca abrir mão daquele amor e pedidos que aquele beijo inesquecível não seja dado em mais ninguém.

Acontece que, embora seja gênero de primeira necessidade, e da pressão biológica que chama e, às vezes grita, nem sempre o sistema pega no automático e ainda que não se fuja da luta nem tudo parece um impávido colosso. Não basta apenas desejo, paixão, amor, tesão e silicone para que um casal dê certo na cama. Nem entender só de astronomia, anatomia e enologia pois o mulherio botou na pauta do dia que o fundamental é a química. Às vezes, um detalhe, uma palavra inadequada, um gesto, uma tatuagem, põe tudo a perder.

Recentemente, um amigo, profissional liberal, me procurou para conversar pois estava tendo problema na área do libidinoso. Recém separado me disse que andava rearrumando a vida, depois da tempestade econômica que é a separação, tocando a vida sem maiores aventuras. Havia decidido passar um longo tempo sem fixar-se com mulher nenhuma, não porque um segundo casamento fosse uma praga, como diz o papa, representante de São Pedro, mas porque não queria nenhum desgaste emocional. Afirmou que mal dizia bom dia a uma mulher e ela já queria mudar de mala e cuia pra sua casa, ou o que restou dela. Decidiu então ficar mantendo relação só com algumas garotas de programa.

- Era tranquilo. Elas fazem o que a gente quer, não exigem nada. Até esta última. Depois dela não consigo mais ficar com mulher nenhuma. Não funciono mais...
- Mas o que aconteceu?
- Bicho ( ele ainda fala bicho), eu tava lá com a mulher nua, no embalo tradicional, me achando o tal quando ela parou no meio e falou comigo, irritada.
- porra cara a gente tem de topar tudo, mas assim não dá não. Você arrotou transando comigo.
- Depois disso broxei. Meu amigo quando até garota de programa te dá esporro porque escapou um arroto é o fim da linha. Me diga se não é?

- Você podia ter dito que era porque estava comendo bem. Calma. Brincadeira. Companheiro não sei não, mas se tu ainda pensar em mulher, talvez tua única salvação seja trocar o viagra por uma caixinha de Alka-Setzer.