O melhor de uma viagem, às vezes, é o que sai errado, o inesperado, o que não foi planejado nem pode ser dividido em nove vezes no cartão, nem rende milhagem. O mico é, às vezes, mais atraente que os cenários paradisíacos, as comidas típicas e as fotografias obrigatórias. Com a vantagem que vergonha não pode ser colada no álbum, nem filmada. Fica na memória para ser contado com algum grau de auto-ironia e complacência.
Fonte inesgotável de micos estilo king-kong são as viagens ao exterior. Desconhecendo os costumes e a língua estamos sempre à beira de um conflito internacional. Certa vez, em um grupo, com carros alugados, indo ao Vale do Loire, na França, paramos em um pedágio diferente, com uma cesta, que ninguém sabia como pagar. A fila atrás de nós foi um vexame quilométrico, só resolvido quando um enfurecido francês desceu do seu veículo e nos ajudou, mais por impaciência do que por solidariedade e com aquele olhar que te faz sentir um brucutu.
Também nesta viagem, os doze com os melhores trajes, as mulheres de longo, acabamos espremidos em uma cabine telefônica, em frente ao cassino de Monte Carlo, para passar a chuva. Isto por termos entrado no prédio de estacionamento pelo guichê de saída e ficarmos meia hora aos gritos, pelo interfone, com o computador, até que - embora eu desejasse que fosse a Caroline de Mônaco-, apareceu um guarda e numa língua gestual resolvemos tudo após ameaça de prisão. Até porque viajava conosco uma velha senhora, mãe de dois colegas e que, desbocada feito uma rameira, xingava o guarda de todos os palavrões que a última flor do lácio já criou.
Há desastres como o de uma conhecida que embarcou no avião errado e recebeu uma gozação geral e os alimentares porque, economizando ou não, há horas em que a fome fica maior que a dignidade e se come qualquer coisa. Há situações desconfortáveis, como um parceiro de viagem que fez redução do estomago e teve ressaca intestinal após comer um cordeiro patagônico com javali, prato que imagino ter sido o preferido dos tiranossaurus. O mesmo parava a Van do grupo - aterrorizado- durante passeio em Mendoza, a cada ação das suas enzimas digestivas.
Mas, impagável, somos nós maltratando o espanhol. Costumo ficar calado ou falar meu arcaico português de forma lenta, se possível que dê tempo até dos hermanos abrirem o dicionário para me traduzir. Mas o brasileiro aprende “saca la foto”, vira poliglota e a partir daí fala uma língua de fronteira, indecisa, embaralhando terminações vocais, num mimetismo polifônico indecifrável. Ou falam português bem alto, tentando o sotaque local, obrigando-os a ouvir quero “dôs”, como se dois fosse incompreensível. Afinal, espanhol é só botar a língua pra fora e mandar ver. “Je ne parle pas espanhol, pero mi português is very fueda”
Recentemente, na Argentina, estava na portaria do hotel, quando um cliente começou uma discussão. Alto, suando, gesticulando como Maria Bethânia cantando Carcará, o brasileiro vociferava no dialeto de Tarzan.
- Você não intiendê? Não falar mí língua?
O porteiro, símile de Rocky Balboa, balançou a cabeça e foi cuidar da vida. A mulher, que aguardava com os filhos, sugeriu que ele telefonasse para o guia da agência. Foi aí que o marido atravessou o lotado saguão, aos berros, gesticulado com o dedo mínimo e o polegar em riste e os outros dobrados, em direção ao apavorado funcionário.
- Eu quero um orelhone, eu quero um orelhone...
Se não foi deportado deve estar lá até hoje esperando o porteiro entender.
2 comentários:
Hilário! :))
Deixa de preguiça e coloca mais crônicas aí no Empório!!
bjs :*
Os ventos certamente não me trouxeram aqui ao acaso...
=)
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