segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A mulher

Midsummer Eve - Robert Hughes
Toda mulher é uma língua. Própria. Um dialeto individual, composto de códigos e símbolos a ser percorrido, para ser perfeitamente vivido, em lentidão torturante. Ela é toda tecida de audição. Pois a mulher não ama o que vê, e sim o que ouve. Não ama o que está ao relento, exposto, mas o que se revela na bateia, na lavoura de decifrar o que lhes dizemos. É nossa homilia e discurso que a possui e domina, que a cerca e doma, e nos inscreve, sem alforria, na memória. A fala é nosso aboio, de guia e prazeres. É do nosso dicionário de significados que será demarcado o tempo de nossa permanência e trato.


Toda mulher é composta de missais e tato. Porque sua pele é um pergaminho a espera dos rumores de nossos lábios e mãos, e se tatua de nossos desejos como se fossem todas as ambições dela, como quem mimetiza suas faltas pelos beirais do outro, e oferece suas sesmarias para ocupação e moradia. E, de nossa dedicação em lhe desvendar as veredas inaugurais, de roçar com a voz os delitos do seu imaginário feminino, é que se erguerão os altares de nosso ofertório, se inscreverão as escrituras de longevidade, os indultos de nossas falhas, os liames que impedem os degredos.

Toda mulher é o linguajar, a vindima, de uma pátria. Eu? Sou só exílio.

4 comentários:

Camila S. disse...

Belo texto. A pele da mulher é papel pra ser escrito, tanto literalmente, com tinta, quanto pelos vestígios de outrem.

Sandra Leite disse...

no dia que eu escrever um texto com densidade e fluidez - como esse - direi que escrevo e não que sou farsante - como faço.

beijos

Van disse...

Texto incrível!
Cabe mais uma fã por aqui?
;)
beijuca

Carmen Eugenio disse...

Maravilhoso!!!Adorei D++++!!!!bjos!!