segunda-feira, 9 de maio de 2011

Desarmamento Vaginal

A vantagem do Brasil é que os políticos são previsíveis e, entre o superficial e o profundo, sempre irão preferir o cosméstico, que não mude nada. Ou que finja mudar, enquanto tudo permanece como está, pois o brasileiro odeia enfrentamentos. A nova Campanha do Desarmamento é prova disto. Não que não seja meritória como educação, conscientização e mais um cabedal de boas intenções das quais o inferno está abarrotado. O cinismo é ela estar sendo usada como uma resposta à tragédia de Realengo, no Rio. Com a sensação de culpados, mas incapazes de lidarmos com as reais causas da violência, optamos por uma medida que dá a impressão de estamos agindo, liderada pelo boquirroto Senado Federal. Além disso, ela faz com que o governo repasse ao cidadão uma responsabilidade que é sua. A Campanha não fará recuar em um dígito sequer a violência, e tragédias como aquela, individuais, não se resolvem com vaselina e propaganda.

Embora seja incrível que pessoas sem experiência em luta e que se dizem incapazes de matar uma mosca - as moscas duvidam - queiram ter uma arma, não é a existência delas que faz as mortes, excetos as acidentais, como mostra o mundo inteiro. O que tece as mortes é a desvalorização do humano, a desimportância progressiva da vida – que só se resolve com educação - e a impunidade. É a lei sinuosa, flexível. A proibição não impedirá a quem quer ter uma arma de tê-la, exatamente porque o governo, omisso, cúmplice, não combate a entrada e a circulação de armamentos no país. Dados do Rio mostram que 60% das armas no Morro do Alemão são de uso restrito da Polícia e Militares e 77% delas são estrangeiras. Nossa fronteira é monitorizada por boato enquanto o delivery-arma faz sua entrega com motoboy, de países vizinhos. Enquanto isto a Polícia Federal tem seus recursos cortados, o VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado) não decola por falta de gasolina e o governo mostra-se incapaz de exigir e criar uma política de ação regional com as nações contíguas e fornecedoras.

O Desarmamento trará outros problemas ao governo. Guarda-chuvas, foices, canetas, facas, automóveis, chumbinho, cartão de crédito, granadas, porretes, incêndios, entre outros, têm sido usado como armamentos, o que nos obrigaria a proibir de isqueiros a espetinhos de churrasco. Sem contar que, por estes dias, uma mulher lubrificou a vagina com veneno e pediu que o marido fizesse sexo oral, o que nos coloca diante de uma verdadeira emergência nacional. A partir de agora, toda mulher será considerada armada e perigosa, portadora de arma de fogo. Nos casos das brancas será pior, por terem dupla letalidade, já que além de arma de fogo serão arma branca. Não sabemos o que o Ministério da Justiça recomendará. Abstinência, roleta-íntima, ou se, ao invés de ginecologistas, as mulheres passarão a ser examinadas por especialista em armamento químico e receberão um alvará temporário, ou, ainda, se serão distribuídos kits-teste junto com a camisinha-colete para serem usados nos encontros carnais.

Nada contra a Campanha do Desarmamento, a educação continuada e os otimistas envolvidos. O que ela não pode abafar é a inércia governamental que faz do tráfico uma ação lucrativa, e da leniência das leis uma tentação ao crime. Nós precisamos é cobrar, exigir ações firmes, sólidas, profundas e não pontuais. Mais objetividade e menos discursos. Além, é claro, que o STF defina, de forma urgente, se, ao iniciarmos um combate sexual, embora rigidamente armados diante daquela atração potencialmente letal, a mulher poderá nos matar alegando legítima defesa. Afinal, nossa munição acaba enquanto a delas é inesgotável.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O apoteótico desfile do Tracajá

Bloco que é bloco tem sede em bar e não em lojinha com ar condicionado, por isso o Tracajá, o mais alternativo dos alternativos, concentrou-se na Casa do Sertão, o restaurante e território regional, de Getúlio, de meio dia em diante. Chego por lá e percebo a inovação. Enquanto Carlinhos Brown fez o camarote andante o Tracajá fez o bloco estacionado, que tartaruga que se preza odeia movimento. A média é de um folião por músico, mas logo isto vai se invertendo. O pré-abastecimento de cerveja corre solto, para prevenir as intempéries da avenida. A TV vem filmar e Reginaldo Pereira, criador, articulador, caixa e bandeirinha, junto com Cristovam Aguiar, tentam fazer a todo custo que os foliões se levantem e juntem-se à orquestra sinfônica do Tracajá. A orquestra tem viola, violão, trompete, sax, violino, triângulo, acordeom, zabumba, percussão, tuba. A zona instrumental mais afinada de Feira. As tartarugas, ainda desconfiadas, se mexem.

Ao chegar no portão de entrada falta a lista das atrações aos fiscais da prefeitura e somos barrados. A polêmica começa. Uns dizem que devíamos subir a Getúlio Vargas, outros dizem graças a Deus que o desfile foi só 30 metros. Telefone pra cá, pra lá, o secretário Alcione Cedraz aparece e comete a loucura de nos liberar e o que é pior, desfila junto. O bloco, contra todas as probabilidades, se move. A primeira baixa foi Ildes Ferreira que desapareceu.

Curiosidade e admiração são o que desperta o lento mover-se do Tracajá. Foliões vão chegando e a banda consegue alguma ordem regida pelo maestro Asa Filho com uma batuta de alecrim. Ele promete que no próximo ano vem de fraque. Lampião vestido de lampião ao lado de um artista vestido uma fantasia de Charles Albert saem na frente do trem de apoio, que Tracajá não tem scaniazinha de apoio não, tem é trem. A imprensa e vendedores de bebida assediam o bloco. Maura Sérgia diz que ano que vem tem o TracaBar. Para quem pensa que o bloco é pouco só a Comissão de Frente, em determinado momento, tem o prefeito José Ronaldo, o ex José Raimundo, os deputados federais Fabinho e Colbert (um dos mais animados foliões), o Secretário de Comunicação, o de Cultura, o ministro cubano, um coronel do exército. Agora me digam que bloco tem esse abre-alas?

Mas o desfile não foi só alegria. Momentos difíceis aconteceram. O primeiro quando entramos no fechado corredor dos camarotes e alguém abriu uma saída de emergência. Foi um pânico pelo medo da debandada dos foliões já que Tracajá não reproduz em cativeiro, daí porque muitos não tem filhos no casamento. Edson Borges, cansado, gritava: dobra pro Zequinha, dobra pro bar do Zequinha. O segundo foi quando apareceu uma sombra fazendo o bloco bandear todo para um lado e empacar, que tartaruga, como vocês sabem, detesta sol. Com muito esforço o bloco andou. Já no fim do corredor chega o deputado Zé Neto. O terceiro momento foi quando passamos em frente aos sanitários da rodoviária e o bloco sumiu. Pensamos que tinham sido abduzidos por algum ET ou recolhidos pelo Ibama, mas foi apenas uma concentração dentro dos banheiros que tartaruga bebe muito, mas tem bexiga pequena. Um repórter me pergunta: e aí César só musica boa no Tracajá não é?

Respondo: é verdade. Aqui não tem música de boquete, chupa toda, nem agachadinho, até porque, pelo estado dos foliões, se alguém der uma agachadinha não levanta mais. Vai ser o primeiro caso de tartaruga atolada no asfalto e o cara só sai de ambulância. Cristovam Aguiar relata sua preocupação com a altura do som, especialmente o violino e o violão, temeroso de reclamação do Meio Ambiente.

Ao chegar depois da rodoviária Reginaldo Fotografia decreta o fim do desfile, por falta de combustível cifrônico para a orquestra. Argumento que povo está na Presidente Dutra e o Tracajá tem que ir onde o povo está. José Raimundo e eu discutimos com o Maestro e acerto, com dispensa de licitação, pela urgência, um aditivo maior do que o reajuste do funcionalismo federal, para seguirmos até a Casa de Saúde Santana onde metade dos foliões receberá meio-viagra e a outra uma guia de internamento. Com cento e cinqüenta boas razões o Maestro desbaratina e a orquestra puxa Bananeira Chora. José Raimundo assume o comando da linha de passistas com o talento que Deus lhe deu para a dança e o Tracajá desfila garboso pela avenida. O povo aplaude o espetáculo. Alguns recomendam internamento.

Chegando próximo a Casa de Saúde alguém grita: só a polícia pode nos deter agora. A polêmica recomeça. Metade que seguir até o Rio Jacuípe a outra quer ir fazer um São João antecipado em Serrinha. Diante do impasse o Maestro toca a saideira: o Hino a Feira. Muitos dão as mãos agradecendo a Deus pelo suor, a cerveja e nenhum ataque cardíaco. O entusiasmo e a alegria envolvem a todos. Vários choram. Alguns de emoção, outros pensando no que vão dizer quando chegarem em casa. Os sobreviventes, devido às condições gerais, embarcam no trenzinho infantil e descemos a Getúlio Vargas. No primeiro bar os remanescentes do bloco empacam e ficamos no Zequinha, com a banda, honrando o slogan: sede zero. O Brasil que bebe ajudando o Brasil que tem sede. Vou-me embora que ainda tenho que achar muita explicação. Ano que vem tem mais. O Tracajá foi uma apoteose!!

2003