segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A falta que a mulher faz

Monica e Magali de Rosa e Azul de Renoir
Por acaso sua mulher viaja para congressos, cursos, ou você, como um terço dos homens, já é separado? Então sabe do que vou falar. Você já se viu na prateleira do supermercado, frente a uma dúzia de frascos coloridos tentando diferenciar desinfetante, detergente e alvejante? Especialmente se sua mãe lavava tudo com sabão em barra? E da marca Campeiro, o melhor? Ou diante do dilema socrático de adivinhar como ficará o cheiro de sua casa se preferir o eucalipto a floral? Ou qual deles estraga menos a pele da mão, conforme recomendou sua diarista?


Você sabe qual marca de sabão em pó tem o aditivo mais aditivo, que lava mais branco, conferindo à roupa de seus filhos um brilho de fazer inveja a qualquer outra mãe? Pois tenha certeza que é mais fácil tentar decifrar o enigma da Esfinge do que resolver essas charadas. Ou então fazer como eu que sou salvo pelas orientações de Ana Luísa, minha filha de sete anos: “pega o do ursinho pai!”Aliás, ela gosta tanto de falar que não pude deixar de rir quando, ao fazermos feira, ontem, ela me disse que sua palavra predileta é etecetera. Só podia.


Mas, a menos que você tenha sido escoteiro ou aprendido durante seus anos como marinheiro, a dar nós, está ciente das dificuldades de fazer um coque no cabelo comprido de sua filha, para que ela vá à aula de ballet? Você conhece exatamente a diferença entre scarpin e uma alegoria para a festa do bumba-meu-boi? Ou por que ela prefere tiara a pompom (seja lá o que isso for) e outros enfeites mais, se antes era tudo maria-chiquinha? E que piranha não é exatamente aquilo que você estava acostumado, mas algo para prender o cabelo?


Você já passou a vergonha de chegar em casa com dez frascos de amaciante de roupa, que comprou na promoção, achando que fez um grande negócio, e a cozinheira te olhou com ar de desdém duvidando seriamente de sua capacidade mental, ao lhe explicar, tão calmamente quanto possível, que ela era cozinheira, logo, o amaciante, era para carne? Ora, diabos, como ninguém lhe explicou que havia um produto especifico só para amaciar carne se no seu reino de homem todo mundo só fala das carnes durinhas?


Tal como um general diante das opções de uma batalha você já teve que escolher se o que sobrou do almoço deve ser guardado no forno, freezer, geladeira, antes ou depois de esfriar, ou se é melhor jogar tudo fora e dizer que uns amigos apareceram de repente e comeram tudo, sem arriscar outra sessão de avaliação do seu QI? E por que raios tem tanta opção na máquina de lavar e não só dois indicadores: lavando e lavado?


Viver, como dizia Guimarães Rosa, é muito perigoso. O lar é um terreno movediço, onde a cada passo afundamos em um emaranhado de novos significados e, no qual, se fala um estranho dialeto de usos e costumes, só acessível aos iniciados. Sei que existem inúmeras outras coisas que fazem das mulheres nossa certidão irreversível, e sei que, uma ou outra feminista, com menos senso de humor, pode julgar que as estou diminuindo, mas a verdade é que basta tentarmos sobreviver sozinhos, em casa, para que percebamos a falta que a mulher faz...

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