quinta-feira, 6 de setembro de 2007

As últimas flores de menina


Rosa e Azul-As meninas - Renoir


A nós, homens, só deveria ser permitido ser marido depois de criarmos uma filha. Não para decifrá-las, pois são por demais vastas, mas para facilitar nosso mimetismo às suas motivações e enigmas.


Talvez para que, criando uma, estejamos mais preparados para as outras, motivo pelo qual desconfio de todos os homens que não tiveram sequer uma irmã. Pois uma irmã nos prepara, desde muito cedo, para os ciúmes de macho, para um universo povoado de vontades incendiárias e desejos, e um morrer e ressuscitar diários. Ela nos ensina todas as armadilhas e feitiços de mulher que só elas compreendem. E elucidam nas demais.


Uma irmã nos educa para a opinião das outras, afinal, aquelas que nos interessa e, só por isto, noves fora tudo mais, já deveríamos ser-lhes gratos. Ela é quase como um pequeno manual de instruções, pois dizem, embora eu duvide, que são todas iguais.

Embora tivesse eu necessidade de umas dez filhas para aprender algo, pois a minha diz que nada sei, creio que ela foi encarregada de falar pelas outras nove. Desde os tempos em que me esperava chegar com disposição avassaladora para brincar, nossas brincadeiras inventadas e aquele abrir de porta sincero e desejado, ansioso, feito quem estende uma esteira de licuri para o sono de uma festa, o deitar da lua, e me ensinava que aquele é o olhar que todo homem busca, entre a esperança e a ilusão, encontrar um dia, na mulher amada.

Talvez por se contar e contar o mundo em minúcias e prosa longa, em narrativa de contador, como a vez que, lá pelos seis anos, após uma hora de interurbano, em pleno consultório, sem deixar desligar, disparou:
- Peraí papa, desliga não, desliga não, que eu vou só pegar um banquinho...

Ter uma filha, a cria, é inaugurar-se santo e aprender das lumeeiras que se acendem com seu riso, do beijo feito água-benta, do afeto agradecido, das chuvas de seu chamego, vestidos e do irresistível pedir feminino.

Criar uma filha, entre fitas de cor e adesivos, é aprender a desprender-se, a cuidar para o outro, sabendo que um dia irá partir, como os bichos que criam asas e se metem de voar por aí. É saber que os casulos se dissolvem e as cantorias no carro, os apelidos, as histórias de dormir, serão enfeites na memória, pendurado nos caibros que sustentam a saudade e a permanência.

Ter uma filha é chorar disfarçado à primeira ameaça de distância, no primeiro ciclo menstrual, que anuncia a revolução dos hormônios e das escolhas. É a mudança das leituras, dos ídolos e das conversas intermináveis no telefone e no MSN. Ao mesmo tempo.

Ver uma filha se desenhando, roupa a roupa, relação a relação, decisiva e enfeitada, e vê-la brigar e perdoar com a mesma intensidade as melhores amigas, entre a manhã e a noite, talvez nos ensine que mulheres não podem ser regidas por nossa incompreensão. A nós, cabe apenas domar o rancor, porque elas oscilarão sempre entre o Atlântico e o Pacífico no mesmo quadrante de lua.

Ter uma filha, como concessão dos deuses, feito Luisa, meu minueto e dança com a vida, minha alegoria - desde o tempo que andava pendurada em mim como um embornal atirado sobre os ombros-, é descobrir, por fim, de que se tecem as esperanças e fantasias.

E, como sei que, ao lhe roubarem o primeiro beijo -escondido do pai, naturalmente, e com a cumplicidade da mãe-, você terá começado a mais longa de todas despedidas, foi que te mandei flores. Que sejam minhas, talvez, tuas últimas flores de menina e as primeiras de teu ensaio de mulher...

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