sábado, 8 de setembro de 2007

A Pele com Nicole Kidman



Remetendo a nossa memória de A Bela e a Fera, a lenda, e ao filme de Cocteau, A Pele, embora lento em algumas passagens, contido, foi injustamente criticado por todos que adoram emoção servida em dose cavalar e exuberante, no estilo blockbuster.

Embora se refira a famosa fotografa Arbus, uma artista que teimava e insistia em relatar o inusitado, meio simbolizado no filme pelas aberrações humanas, ou excluídos, ele não é biográfico. E centra-se me construir uma história , uma explicação para suas escolhas.

Em verdade é apenas a trajetória de uma mulher insatisfeita – esta perigosa e tão comum cena humana-, desencontrada, que vai aos poucos se despindo física e metaforicamente. Para os que se sentem desobrigados de pensar ou de ver um filme e prestar atenção, ele é cansativo, mas para quem fizer o esforço, enxergará uma história de paixão desenfreada, de revelação, construída meticulosamente por Lionel ( que tem hipertricose, uma doença que faz crescer os pelos exageradamente) , a solidão , o encontro além dos limites até quando, finalmente, ela raspa todos os seus pelos e eles se entregam sexualmente. Antes da morte.

E quando ele enche uma bóia de ar e ela o respira depois de sua morte o lirismo e o desespero se antagonizam. Verdade que, filme com a Nicole Kidman, consiste em passar metade do tempo com a câmera fechada em seu esplendoroso rosto, em close, até a cena final de sua nudez.

Ela é de uma beleza que nos arranca da indiferença. O filme não é um espatáculo fenomenal, mas vale assistir. Para quem não precisa dos happy-end óbvios.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

As últimas flores de menina


Rosa e Azul-As meninas - Renoir


A nós, homens, só deveria ser permitido ser marido depois de criarmos uma filha. Não para decifrá-las, pois são por demais vastas, mas para facilitar nosso mimetismo às suas motivações e enigmas.


Talvez para que, criando uma, estejamos mais preparados para as outras, motivo pelo qual desconfio de todos os homens que não tiveram sequer uma irmã. Pois uma irmã nos prepara, desde muito cedo, para os ciúmes de macho, para um universo povoado de vontades incendiárias e desejos, e um morrer e ressuscitar diários. Ela nos ensina todas as armadilhas e feitiços de mulher que só elas compreendem. E elucidam nas demais.


Uma irmã nos educa para a opinião das outras, afinal, aquelas que nos interessa e, só por isto, noves fora tudo mais, já deveríamos ser-lhes gratos. Ela é quase como um pequeno manual de instruções, pois dizem, embora eu duvide, que são todas iguais.

Embora tivesse eu necessidade de umas dez filhas para aprender algo, pois a minha diz que nada sei, creio que ela foi encarregada de falar pelas outras nove. Desde os tempos em que me esperava chegar com disposição avassaladora para brincar, nossas brincadeiras inventadas e aquele abrir de porta sincero e desejado, ansioso, feito quem estende uma esteira de licuri para o sono de uma festa, o deitar da lua, e me ensinava que aquele é o olhar que todo homem busca, entre a esperança e a ilusão, encontrar um dia, na mulher amada.

Talvez por se contar e contar o mundo em minúcias e prosa longa, em narrativa de contador, como a vez que, lá pelos seis anos, após uma hora de interurbano, em pleno consultório, sem deixar desligar, disparou:
- Peraí papa, desliga não, desliga não, que eu vou só pegar um banquinho...

Ter uma filha, a cria, é inaugurar-se santo e aprender das lumeeiras que se acendem com seu riso, do beijo feito água-benta, do afeto agradecido, das chuvas de seu chamego, vestidos e do irresistível pedir feminino.

Criar uma filha, entre fitas de cor e adesivos, é aprender a desprender-se, a cuidar para o outro, sabendo que um dia irá partir, como os bichos que criam asas e se metem de voar por aí. É saber que os casulos se dissolvem e as cantorias no carro, os apelidos, as histórias de dormir, serão enfeites na memória, pendurado nos caibros que sustentam a saudade e a permanência.

Ter uma filha é chorar disfarçado à primeira ameaça de distância, no primeiro ciclo menstrual, que anuncia a revolução dos hormônios e das escolhas. É a mudança das leituras, dos ídolos e das conversas intermináveis no telefone e no MSN. Ao mesmo tempo.

Ver uma filha se desenhando, roupa a roupa, relação a relação, decisiva e enfeitada, e vê-la brigar e perdoar com a mesma intensidade as melhores amigas, entre a manhã e a noite, talvez nos ensine que mulheres não podem ser regidas por nossa incompreensão. A nós, cabe apenas domar o rancor, porque elas oscilarão sempre entre o Atlântico e o Pacífico no mesmo quadrante de lua.

Ter uma filha, como concessão dos deuses, feito Luisa, meu minueto e dança com a vida, minha alegoria - desde o tempo que andava pendurada em mim como um embornal atirado sobre os ombros-, é descobrir, por fim, de que se tecem as esperanças e fantasias.

E, como sei que, ao lhe roubarem o primeiro beijo -escondido do pai, naturalmente, e com a cumplicidade da mãe-, você terá começado a mais longa de todas despedidas, foi que te mandei flores. Que sejam minhas, talvez, tuas últimas flores de menina e as primeiras de teu ensaio de mulher...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

É proibido proibir




Longe de mim meter-me nos balacobacos filosóficos e similares que envolvem o conceito de liberdade, mas desde que alguém subiu o monte bíblico e teve uma epifania divina que o proibido entrou para nosso dia a dia. Verdade que as pedras da lei apenas deram boas idéias e nunca impediram ninguém de cobiçar a mulher do próximo, desde os tempos em que era o homem que cobiçava.

A liberdade é uma idéia em nome da qual milhões tem morrido e crimes bárbaros têm sido cometidos. É necessidade inalienável do humano, embora, nem sempre saibamos perceber quando estamos sendo encarcerados subliminarmente ou até mesmo de forma extensiva e ela só se torne perceptível na ausência.

O dado concreto é que nossas escolhas estão sendo manipuladas por interesses dos mais diversos: econômicos, coletivos, de grupos, políticos, de classe, o que nos faz crer que o verdadeiro preço da liberdade é a eterna desconfiança.

Pois foi sabendo que a vaca da liberdade estava sempre a um passo de ir para o brejo que, em 68, os estudantes da Sorbonne e da Naterre botaram fogo, literalmente, no carro da história e fizeram uma revolução, sem programa, ou como diziam, sem deus nem mestre, implantando, de forma irreversível, em nosso imaginário, o proibido proibir, que afinal virou trilha sonora ao ser musicado por Caetano.

Embora a liberdade de expressão seja um preceito básico das democracias e seu direito seja defendido pela Declaração Internacional dos Direitos Humanos e Convenção Européia de Direitos Humanos, e a Constituição, a simbiose de preconceitos e interesses tem, seguidamente, violado e limitado o exercício da cidadania e das opções sexuais, políticas e do direito de opinião da coletividade.


Apesar de Kant dizer que ser livre é ser autônomo e Sartre afirmar que a liberdade é condição ontológica do ser humano sendo este, antes de tudo, livre, vivemos um permanente estado de insegurança e medo de exercer o sacro e vital direito da discordância e da fala.

No governo passado fomos ameaçados com a tentava de impor o pensamento único que classificava de noebobos os opositores. Agora se apela para a manipulação desavergonhada de qualquer critica feita ao governo, como se a origem humilde do presidente fosse um salvo conduto, um habeas-corpus divino e eterno e discordar, cobrar, criticar tenha que ser demonizado em nome de um passado que a cúpula destes dirigentes já não tem, faz muito tempo.

Exemplo deste cerceamento é o movimento Cansei e as vaias que acompanham o presidente. Podemos não confiar nos lideres do movimento, ou não gostar do ato dos estudantes, mas a violenta reação contra o Cansei e os estudantes acusados de falta de consciência representam a necessidade de uma unanimidade que, como todas, é apenas burrice.

A opinião divergente seja de quem é meramente opositor, ou de quem não tolera a opção política, a inapetência administrativa, a impunidade, os mensalões, o caos aéreo, e o aparelhamento do estado, devem ser respondidas com ações e não com tentativas agressivas de menosprezo.


Não custa lembrar que preconceito não é via de uma mão só, nem privilégio de classe. Mas, como já dizia Einstein, é mais fácil desagregar um átomo do que os preconceitos. Prefiro ouvir Caetano...