terça-feira, 28 de agosto de 2007

As mulheres e a despensa

Mulheres - Di Cavalcanti


Eu contei. E confirmei. São doze. Minha despensa tem doze armários, mas, por estranha norma de organização doméstica, não cabem meu estojo de vacina e duas caixinhas de antibiótico veterinário que uso lá no sítio.


Norma Norma que não existe de direito, mas existe de fato. Por regulamentação não escrita, por determinação que não consta nem dos sacramentos religiosos nem do Código Civil, as mulheres decidem, durante o casamento, o que devem guardar nas despensas. Fica reservado a elas o supremo direito de confinar todos os nossos objetos pessoais a uma caixa de papelão. Na hierarquia domiciliar, nossa necessidade de espaço na despensa vem depois da escova do cachorro e do pacote de ração. E olhem que no meu caso nem cachorro eu tenho.

Elas nos julgam colecionadores de quinquilharias, tão descartáveis quanto os conselhos da sogra de como elas devem nos tratar. Foi assim na minha primeira casa, onde perdi uma inestimável série do Batman -Cavaleiro das Trevas, desenhada pelo Frank Miller e uma coleção completa de Epopéia Tri, relatando a conquista do Oeste, comprada número a número pelo reembolso postal, escarafunchando anúncios de volumes atrasados como um antropólogo recolhendo objetos na tumba de Tutankamon. Isto sem contar todos os exemplares da Playboy atirados impiedosamente ao lixo, com astúcia e a inescrutável lógica de que acumulava poeira e fazia as crianças espirrarem. Mesmo que não as folheassem.

As despensas, como vocês sabem, são uma espécie de Àgora, a praça grega onde ocorriam todos os debates democráticos. Em torno dela é que se dá a verdadeira batalha conjugal. Do controle do que entra e sai na despensa familiar é que emana o verdadeiro poder. É lá que se concentra a memória existencial da família, onde fica retratado seus hábitos e costumes. Um pesquisador do futuro escavando nos escombros de minha despensa teria extrema dificuldade em encontrar provas da minha presença na estrutura familiar, concluindo ser a nossa uma sociedade primitiva, sob domínio feminino, onde o macho provavelmente ficava ausente tentando caçar um javali.

Aliás, as mulheres também decidem o que guardar na memória afetiva, não nos consultando em nenhum momento sobre esse insondável processo seletivo de acontecimentos da vida em comum, que sempre serão lembrados nos momentos mais inconvenientes, como aquela vez que você derramou vinho nas pernas da melhor amiga dela.

Como uma Hamurabi do lar, a mulher legisla em causa própria, estendendo seus domínios com voracidade e soberania imperial. Nem cito a geladeira por ser terreno belicoso onde sequer podemos nos aventurar a esconder uma lata de cerveja por trás da horta refrigerada que elas cultivam e refazem com a disciplina de um monge budista.

Aliás, observar a composição da geladeira é o único meio seguro e eficaz de se saber o estado civil de um homem. O casamento torna inversamente proporcional o número de garrafas de cerveja, latas de ervilha e patê de ricota da sua vida de solteiro.

Conhecedor da fúria das mulheres e do ciclone que podem desencadear quando contrariadas, e impossibilitado de ficar sem minhas bugigangas já decidi providenciar outra caixa de sapatos.

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