As flores do Mal - Helio Schomann
Houve tempo em que uma vida completa consistia em fazer um filho, plantar uma árvore e ler um livro. As ilusões eram possíveis e as utopias preenchiam nosso imaginário. O mundo mudou, ficou mais fácil fazer o filho, mas não sabemos o que fazer com ele depois de pronto. Entramos na era do carbono-free e mal conseguimos cuidar de uma samambaia plástica e ler um livro, como diz o presidente, é “pior que fazer esteira”.
Você lembra que seus pais lhe diziam que o trabalho compensava, a honestidade podia ser garantida com um fio de bigode e as mulheres amavam para sempre. Os ladrões roubavam galinhas, não saíam nas colunas
sociais nem ocupavam cargos públicos, a justiça eratardia mas não faltava, e você podia confiar em Deus e nas notas promissórias, com igual fé.
O mundo era dividido em sexos, garantidamente opostos, capitalismo e socialismo eram modelos econômicos diferentes - o bem e o mal, a depender da preferência-, e esquerda e direita não eram posições transgênicas.
Sexo era uma conseqüência e uma possibilidade – sonhada, mas nem sempre possível-, e não condição obrigatória e estatistica, ou ato banal. Para isto, existiam as moças de vida fácil. E as moças de vida fácil, sabia-se exatamente quem eram e, até elas, eram confiáveis e se apaixonavam com a devoção que só quem tem todos sem ter ninguém é capaz de oferecer.
A principal droga era o álcool e não o futebol que jogamos hoje, e a verdadeira ainda não botava banca e era tão difícil de comprar quanto um catecismo do Zéfiro, coisa de artistas, e nunca merenda de porta de colégio. A honestidade não estava em extinção como as baleias e a virgindade e a palavra dada era para ser cumprida a ferro e fogo.
Mas o principal, era que, apesar de eventuais perversões ou asneiras todos sabiam o que era lícito e ilícito, moral e imoral, certo e errado, e os costumes se balizavam nesta linha ao mesmo tempo fictícia e indestrutível. Sabíamos, pelo menos, como dizia Sartre - que esteve aqui com sua Simone, para ver a feira livre; ambos já meio decaídos, Sartre e a feira livre-, que o inferno eram os outros. Mas, sabe-se lá por que motivos -talvez a comunicação, o darwinismo social, ou o buraco de ozônio-, perdemos completamente o limite entre o que é digno ou devasso, o permitido e o proibido, o aceitável e o indecente.
Perdemos a nobreza e as qualificações pessoais e os fins passaram a justificar plenamente os meios. Ninguém, ou nada mais, é essencialmente bom ou ruim, mas habitamos de forma híbrida a fronteira da ética, num vai e vem, ao sabor das necessidades e das ocasiões.
Todos os comportamentos: a riqueza ilícita, a agressividade gratuita, o cinismo e o oportunismo político, o alpinismo social, as opiniões de encomenda, a indiferença, o lucro sem pudor, são plenamente justificáveis. Simbolicamnete, um empresário paulista de bordéis declarou:“sou imoral, devasso, depravado, mas pago meus impostos e estou em situação legal”.
E, assim, vamos fingindo não conhecer as distinções entre o bem e o mal. E, de tanto fingir que não sabemos acabamos compactuando com o inaceitável.
Bons tempos em que sabíamos exatamente a diferença entre as coisas e podíamos ensinar nossos filhos, na esperança de que ensinassem aos seus, mesmo sabendo que a vida é passar e perder. Agora que tudo é nebuloso e justificavel só lamento a falta que o mal nos faz.
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