Minha filha tem idade incerta. É algo entre as fantasias da infância e a realidade de adulta. Meio distância –pois exige ser grande-, meio proximidade -pois não abre mão do afeto protetor. Tem dias que discute comigo, acaloradamente, seus textos filosóficos e sociais da escola e outros que me busca desesperadamente para não atrasar na ida ao salão, nesta difícil arte de equilíbrio entre o útil e o belo que as mulheres encarnam.
Às vezes ela me conta que economizou um torpedo de celular, noutras ataca meu cartão com a voracidade dos cupins porque precisa de uma roupa única para determinada festa. Que nem sempre vai. Já pedi que ela poupe no cartão e abuse no torpedo, mas ainda não a convenci. Pelo menos da parte do cartão.
Ela é alguma coisa de guerra e paz. Capaz de indignações beligerantes e homéricas contra uma injustiça e reparações urgentes, como um dia que ligou pedindo que alguém fosse levar uma torta em minutos, ao colégio, para comemorar o aniversário de uma colega que estava sozinha por dificuldades familiares.
Ela me lê no jornal, opina, e me acha mais do que sou, esta recompensa e benesse que a inocência da admiração lega a alma dos pais. Ela chora nos filmes e me telefona desesperada para ir logo para casa porque está vendo uma série de TV que dá medo e ela torce pro galã, ah mulheres!, e não quer ficar só. Ela promete que vai acordar um domingo bem cedo e vai pra roça comigo montar a cavalo e saber tudo do cheiro do rio e que nunca vai deixar de cuidar das árvores e do capim quando eu não passar mais de memória. Ainda não conseguimos chegar neste dia e fico tentado, seriamente, em plantar bambu.
Toda semana, quando faço feira, ele me manda uma lista de comidas condenáveis sob todos os aspectos abdominais e de saúde e ameaças terríveis se não comprar. Mas ela estuda sem ser obrigada e deixa de ir à festa porque precisa estudar e eu não tenho como negar.
Claro, ela tem vocação fotográfica, centenas de foto na net e de amigos nas redes sociais. E é multifuncional. Escreve no computador, fala no telefone, conversa via net, com a mesma pessoa. Ao mesmo tempo.
Ela me faz rir com os micos da espontaneidade e já me disse umas quinze mil coisas que são um dos seus sonhos. E me diz que precisa ir estudar em Salvador, ano que vem, porque senão será como se não tivesse crescido. E cada dia, deste ano, se faz uma longa e doída despedida, que o mundo é menos mundo sem ela no cotidiano. Mas lembrarei que fomos juntos a todas as Micaretas, inventamos lendas, que vi vários shows de sertanejo por ela e que a ensinei a andar numa bicicleta alugada, numa ruazinha a meia-noite, na levemente fria Paris.
Às vezes, grande, diz que vai pra balada, mas, às vezes, pequena, como esta semana, vem dormir em minha cama. Com seu jeito expansivo botou a perna por cima e me deu a mão, por vontade, ou acaso, não sei, na madrugada. Acordado, fiquei imóvel para que a forma não se desfizesse e o encanto durasse. Deus, por motivo absolutamente inexplicado, manteve-me respirando depois disso.
3 comentários:
Parabéns pelo post!
Um belo relato de um pai maravilhoso e sua garotinha, certamente sua melhor obra nesta vida. Tudo de bom para os dois!
Helena
Olá,Cesar!
Além de seguidora no Twitter,agora leitora de suas crônicas!Li a atual.Maravilhosa.Agora vou partir correndo pro arquivo pra ler as anteriores,abraço.
Eu? Sua fã declara, Dr.!
Releio o último parágrafo imaginando tal sensação. Por tantas vezes não movi a sobrancelha para não desfazer um aconchego, os do meu pai então.
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