Prezado Colega Italvar
Quando estiverem lendo esta carta infelizmente estarei viajando e não poderei participar deste encontro contigo, que não é o primeiro, nem será o último.
Quando estiverem lendo esta carta infelizmente estarei viajando e não poderei participar deste encontro contigo, que não é o primeiro, nem será o último.
O primeiro, lá se vão trinta anos, no começo dos anos 80, quando éramos todos invencíveis e sonhadores, no início da faculdade. Cada um de nós era resultado de suas próprias circunstâncias e oportunidades de vida, diversos e estranhos atirados em um espaço comum, numa busca de realização coletiva. Cada um era um, apenas, e, talvez, ali, só você era todos nós. Porque todo grupo precisa de um farol, um incendiário que desfaça os aceiros que os separam e estabeleça as pontes em comum, as pegadas de um mesmo passo. Um leitor de sentimentos que leia as diversas diferenças e as torne menores aproximando os extremos, os que se distanciam por diferenças de opinião, condição social, comportamento, hábitos, ou mesmo por simples inibição pessoal.
Ao longo dos anos de faculdade o papel sempre foi seu. A irreverência, a molecagem de boa índole, a opção pela alegria no estado puro, sua definitiva adoração pela vida, o trânsito livre entre todos da turma e seus subgrupos com os quais dialogava com a mesma simplicidade e afeto, fizeram com que seu nome se tornasse uma unanimidade, e, ao contrário do que dizem, aprendemos que nem toda unanimidade é burra.
Na geometria das relações você não tinha arestas, nos retratos não tinha poses convencionais, no cotidiano seu ritmo era voraz. Talvez, por algum destes mistérios que o destino não explica, as três deusas que tecem o fio da existência te avisassem que a vida era para ser vivida com urgência, sem pausas, com todos os seus encantos, assentada no riso e na amizade, marcada pelo astral elevado.
Depois de formados continuamos dependentes de sua iniciativa para as reuniões de turma, organizadas, animadas e perturbadas por você. E, nestas ocasiões, onde estive em umas e outras não, o profissional se refazia aluno, o moleque reencarnava no doutor, o agregador encontrava-se com o melhor de si próprio e nós todos, alegres e inocentes, contagiados, nos refazíamos em brincadeiras e lembranças, em saudades e risadas.
Quando veio a notícia de sua adversidade, tão jovem, todos nós compreendemos o salto no trapézio, o malabarismo necessário para sua persistência e acusamos a injustiça. Na companhia dos mais próximos, no silêncio dos mais distantes, torcemos, ansiamos e os que tinham seus Deuses oraram. Acompanhamos cada informação repassada boca a boca. Alegrávamo-nos nas positivas, entristecíamos nas negativas.
Até que a notícia última nos chegou. Ouvimos, de certa forma, como órfãos. Ouvimos, de certa forma, como pais de uma falta. Ouvimos, de certa forma, como quem tem um revés e fica sem cais. Você tinha aprontado mais uma das suas e escolhido o 3 de Dezembro, dia de nossa formatura, para nos deixar.
Não sei bem dizer, dos que lá puderam estar, o que sentimos. A reunião, a tensão das falas, a irmandade do desamparo de quem partilha um bem e perda comum. É algo além de você, embora seja resultado do que você fez por nós.
Que sua missa seja de paz e conforto. Talvez a gente se reúna de novo. Você não nos deixaria desistir disso. Mas fique tranqüilo. Aconteça ou não, seu lugar está garantido, pois cada um de nós irá te levar de alguma forma, sempre com a memória e saudade que só cabem aos que fizeram o encontro e companhia valer a pena.
Por ousadia digo ser esta carta de toda turma. De forma pessoal, minha e de Mayra.
Até companheiro. Obrigado. Um abraço, Césinha.