terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Carta a Italvar

Prezado Colega Italvar

Quando estiverem lendo esta carta infelizmente estarei viajando e não poderei participar deste encontro contigo, que não é o primeiro, nem será o último.

O primeiro, lá se vão trinta anos, no começo dos anos 80, quando éramos todos invencíveis e sonhadores, no início da faculdade. Cada um de nós era resultado de suas próprias circunstâncias e oportunidades de vida, diversos e estranhos atirados em um espaço comum, numa busca de realização coletiva. Cada um era um, apenas, e, talvez, ali, só você era todos nós. Porque todo grupo precisa de um farol, um incendiário que desfaça os aceiros que os separam e estabeleça as pontes em comum, as pegadas de um mesmo passo. Um leitor de sentimentos que leia as diversas diferenças e as torne menores aproximando os extremos, os que se distanciam por diferenças de opinião, condição social, comportamento, hábitos, ou mesmo por simples inibição pessoal.

Ao longo dos anos de faculdade o papel sempre foi seu. A irreverência, a molecagem de boa índole, a opção pela alegria no estado puro, sua definitiva adoração pela vida, o trânsito livre entre todos da turma e seus subgrupos com os quais dialogava com a mesma simplicidade e afeto, fizeram com que seu nome se tornasse uma unanimidade, e, ao contrário do que dizem, aprendemos que nem toda unanimidade é burra.

Na geometria das relações você não tinha arestas, nos retratos não tinha poses convencionais, no cotidiano seu ritmo era voraz. Talvez, por algum destes mistérios que o destino não explica, as três deusas que tecem o fio da existência te avisassem que a vida era para ser vivida com urgência, sem pausas, com todos os seus encantos, assentada no riso e na amizade, marcada pelo astral elevado.

Depois de formados continuamos dependentes de sua iniciativa para as reuniões de turma, organizadas, animadas e perturbadas por você. E, nestas ocasiões, onde estive em umas e outras não, o profissional se refazia aluno, o moleque reencarnava no doutor, o agregador encontrava-se com o melhor de si próprio e nós todos, alegres e inocentes, contagiados, nos refazíamos em brincadeiras e lembranças, em saudades e risadas.

Quando veio a notícia de sua adversidade, tão jovem, todos nós compreendemos o salto no trapézio, o malabarismo necessário para sua persistência e acusamos a injustiça. Na companhia dos mais próximos, no silêncio dos mais distantes, torcemos, ansiamos e os que tinham seus Deuses oraram. Acompanhamos cada informação repassada boca a boca. Alegrávamo-nos nas positivas, entristecíamos nas negativas.

Até que a notícia última nos chegou. Ouvimos, de certa forma, como órfãos. Ouvimos, de certa forma, como pais de uma falta. Ouvimos, de certa forma, como quem tem um revés e fica sem cais. Você tinha aprontado mais uma das suas e escolhido o 3 de Dezembro, dia de nossa formatura, para nos deixar.

Não sei bem dizer, dos que lá puderam estar, o que sentimos. A reunião, a tensão das falas, a irmandade do desamparo de quem partilha um bem e perda comum. É algo além de você, embora seja resultado do que você fez por nós.

Que sua missa seja de paz e conforto. Talvez a gente se reúna de novo. Você não nos deixaria desistir disso. Mas fique tranqüilo. Aconteça ou não, seu lugar está garantido, pois cada um de nós irá te levar de alguma forma, sempre com a memória e saudade que só cabem aos que fizeram o encontro e companhia valer a pena.

Por ousadia digo ser esta carta de toda turma. De forma pessoal, minha e de Mayra.

Até companheiro. Obrigado. Um abraço, Césinha.

Um ano dez


Mais que o ano que finda, com suas perdas e danos, suas glórias e gozos, é o que vem por aí que interessa. Por isso não permita que o ano que vem apenas aconteça em sua vida. Não o desperdice. Estalando de novo, ele é uma tabula rasa. Inscreva sua marca nas tábuas de sua lei e tente entregar um mundo melhor a todos os seus. È sobre tua pedra que se erguerão as maiores edificações.

Não se deixe levar pela aparência em detrimento do conteúdo, nem por discursos oportunistas que satanizam opositores apenas com o intuito de usurpar o poder e atender os próprios interesses seja de que lado for. Não ceda no seu direito de cidadão, não renuncie a sua liberdade -direito inalienável e inviolável do homem-, em troca de nenhum projeto revolucionário que apenas tece nova casta de dominadores. O homem é sagrado no seu livre-arbítrio e palavra.

Não se conforme com a mediocridade. Não se baste com quinquilharias oferecidas por governantes e não ceda à tentação das oportunidades fáceis. Não compactue com o erro, mas compreenda a limitação do humano e perdoe quando for preciso. Não tolere os corruptos, não reparta seu lar, seu convívio, com quem prefere a bajulação, a riqueza ilegal, a exploração da miséria alheia. Vire-lhe as costas. Negue-lhe o bom dia. Porque basta aceitarmos para que estejamos compactuando. Não é preciso enfrentamento para a recusa.

Não aceite a terrível leniência da justiça, a ocupação do poder – qualquer poder- para desvios, a polícia que prefere o crime à honra, a educação meia-boca, os serviços públicos mal executados. Exiga qualidade. Fiscalize e proteste, pois o dinheiro público roubado é suor do seu trabalho, é beneficio que não lhe chega. Não se deixe enganar por gente que não passa de detergente de agência de propaganda, não creia em discursos messiânicos, em salvadores de ocasião.

Exerça sua autoridade familiar, e autoridade não é violência, é transmissão de exemplos e princípios. Não deixe que os limites morais de seus filhos sejam invadidos e violados pela música, roupas, pelas imagens de baixo calão em nome de uma falsa liberdade, que é apenas mercantil. Repudie o que for apelativo. Não envelheça seus filhos precocemente. Não fique acuado. Uma sociedade se constrói do equilíbrio e respeito mútuo e não da permissividade. Não consuma os irresponsáveis que fazem apologia pública das drogas como símbolo de rebeldia e criatividade. Que reservem suas escolhas aos escombros de seus bastidores.

Não dependa da felicidade da farmácia. Seja atento e cuidadoso com os detalhes com você próprio e com os demais. Trate-se bem e estará pronto para fazer isso com os outros. Descole um tempo para as visitas e os abraços. Eduque-se. Não desista de aprender. Não somos nunca uma obra terminada. Não se deixe explorar por mercadores da fé interessados no seu dinheiro, não na sua redenção. Não aperte a mão de quem rouba, não abra a porta de sua casa a quem não merece respeito, a quem comercializa a dignidade ou o verbo, aos cúmplices da imoralidade.

Sim, estamos em luta. A liberdade e a censura, a segurança e o crime, a educação e a ignorância, a devassidão política e a moralidade pública, a justiça e a impunidade, a família e a individualidade, o bem e o mal. Não deixe que o ano que vem te coloque do lado errado.

Seja feliz e faça com que este ano seja 10.